A
XENOFOBIA (etimologicamente, ódio ao estrangeiro) é um obstáculo à
almejada integração efectiva da Comunidade de Desenvolvimento da África
Austral (SADC), segundo defendeu, sexta-feira, em Maputo, Manuel
Guilherme Júnior, docente da Universidade Eduardo Mondlane, num debate
por ocasião dos 35 anos de existência desta organização regional, que
ontem se assinalaram.
Manuel
Júnior, que falava na qualidade de um dos oradores do tema “Os desafios
da integração da SADC até 2020”, promovido pela Comissão Nacional da
SADC, falou de muitos outros factores que podem comprometer a integração
efectiva do bloco e defendeu a necessidade de se transmitir ao cidadão a
noção de que o outro não é estranho em cada um dos países que compõem a
organização.
Na
sua alocução, o académico referiu-se ao plano estratégico indicativo da
SADC para o período 2015-2020, afirmando que o mesmo contém quatro
prioridades, faz uma incursão aos factores que dificultaram a
implementação do anterior, potencialidades da região e os desafios
emergentes da integração.
Disse
ter faltado uma planificação adequada do próprio processo de integração
em 2008, quando já se sabia, por exemplo, que em 2010 entraria em vigor
a união aduaneira. Manuel Jr. apontou, por outro lado, a fraqueza do
próprio Secretariado Executivo da SADC, sob ponto de vista de poderes.
A
propósito de poderes, disse que muitos poderes estão centrados na
cimeira e noutros órgãos, quando alguns poderiam passar ao Secretariado
Executivo. O académico afirmou que os estados-membros da SADC devem
estar preparados para a transferência de parte da sua soberania para a
organização.
Aludiu
também aos instrumentos legislativos da organização, nomeadamente os 30
protocolos aprovados, mas que não vigoram até ao presente momento,
porque ainda não foram domesticados.
No
quadro das prioridades contidas no plano estratégico indicativo, Manuel
Jr. referiu-se à industrialização. A este propósito, defendeu a
necessidade de o bloco repensar na sua actuação relativamente a
terceiros no que diz respeito aos investimentos estrangeiros realizados
em cada um dos países membros, ou seja, a industrialização da SADC deve
ser feita de forma conjunta.
Outra
prioridade é relativamente a infra-estruturas. Neste domínio, defendeu a
necessidade de realização dum esforço conjunto, por exemplo, no
capítulo de construção de estradas para garantir a livre circulação de
pessoas e bens.
No
domínio da paz, afirmou que há indícios de que a região está bem,
embora com alguns focos num e noutro país, a exemplo de Moçambique.
No
que diz respeito ao desenvolvimento humano, destacou a necessidade de
formação das pessoas para servirem a região e não somente ao seu país de
origem. Para Manuel Jr., este é um grande desafio que deve ser
enfrentado, na perspectiva de assegurar uma formação orientada para a
especialização para a região, sendo a harmonização dos currículos um dos
pressupostos fundamentais.
Disse
que os países-membros da SADC precisam saber quais são as prioridades
no âmbito do plano estratégico indicativo, para domesticarem as
políticas aprovadas pela organização. O financiamento dos projectos é
outro desafio apontado pelo académico, que defende que os
estados-membros devem pensar no financiamento conjunto de projectos com
impacto para a região.
“É
preciso financiar infra-estruturas que permitem que o cidadão circule
de Moçambique à Tanzania, ou à Zâmbia, etc.”, disse, observando,
contudo, que não se pode pensar em resultados imediatos para o país
neste processo de integração.
Também
aludiu ao papel do tribunal da SADC, agora suspenso, como órgão que,
segundo o orador, deve ser um órgão de resolução de diferendos.
Defendeu, igualmente, a necessidade de se reavaliar o mecanismo de
tomada de decisão na organização, afirmando que o actual modelo de
unanimidade emperra muitos processos.
Manuel
Jr. referiu-se, por outro lado, à necessidade do reforço do tratamento
diferenciado entre os estados-membros. Na sua óptica, os estados-membros
não devem ser tratados de forma igual, devendo os que estão mais na
dianteira dos processos merecer um tratamento especial.
Sobre
os recursos da região, defendeu a necessidade de se pensar na melhor
forma de potenciá-los. Para o académico, há que encontrar padrões de
exploração comum dos recursos, para permitir que os investimentos feitos
num determinado país, como Moçambique, beneficiem a região.
“Há condições para fazermos muitas coisas antes de 2020, para a integração regional”, disse.
Por
seu turno, Oksana Mandlate, investigadora, fez uma reflexão sobre a
base produtiva e a industrialização na SADC, como prioridades. Segundo
afirmou, há que salvaguardar alguns aspectos sobre o desenvolvimento do
sector privado, de infra-estruturas e a industrialização.
Indicou
que os benefícios não são distribuídos uniformemente quando se fala da
integração regional. Sobre a industrialização, defendeu a necessidade de
ter em conta o tipo de modelo de integração que se pretende induzir.
Para
Oksana Mandlate, a integração regional só pode ser bem sucedida quando
ela ocorrer a nível de cada país, em primeiro lugar. Referiu, por
exemplo, que em Moçambique existem centros de produção e consumo com
dificuldades de interagir entre si.
Afirmou
que o sector privado é que provoca a industrialização e
competitividade, realçando, porém, que a competitividade das empresas
não depende somente das capacidades, mas também do ambiente económico
que as rodeia.
“Se
não temos um sector industrial bem desenvolvido, não se pode competir
em pé de igualdade”, disse, acrescentando que o país precisa duma base
produtiva alargada para resolver problemas sociais como a pobreza.
Entretanto,
no debate do tema foram levantadas algumas questões cruciais no âmbito
da integração da SADC. Airton José, do Ministério da Economia e
Finanças, indicou, por exemplo, que o fundo de desenvolvimento regional
está numa fase avançada para o financiamento de projectos que beneficiem
a região, a exemplo de Mpandamkua, em Tete.
Airton José afirmou que a integração regional vai levar o seu tempo.
A
professora Avelina Simbine referiu-se à balança comercial negativa de
Moçambique e defendeu que antes de tudo o problema da fome deve ser
resolvido, o que passa pela aposta na produção agrícola.
“Doa
a quem doer, temos de trabalhar. Temos condições e pernas para andar.
Caso contrário, passaremos o tempo a dizer que a África do Sul é isto, é
aquilo”, disse.
In Jornal Notícias de 18-8-2015
In Jornal Notícias de 18-8-2015
Sem comentários:
Enviar um comentário